Mas o tempo está se esgotando!
Alternativa diplomática para solução da crise na Ucrânia é
cada vez mais limitada.
cada vez mais limitada.
Em 2001, eu estava em
Kiev fazendo uma série de reportagens para a BBC sobre os dez anos da queda da
União Soviétiva. Acompanhado de um tradutor, entrei em uma estação de metrô não
muito longe da Praça da Independência, que hoje é a base dos oposicionistas que
obstinadamente enfrentam as forças do presidente Viktor Yanukovich.
Paramos uma pessoa para lhe perguntar sobre o passado - se
ela sentia falta da União Soviética, se a vida após a independência era melhor.
Meu tradutor já me advertira que havia pessoas em Kiev que falavam russo,
outras, que falavam ucraniano.
Abordamos essa primeira pessoa em russo. A conversa
transcorreu normalmente. Assim que terminamos a entrevista, porém, uma senhora
correu em nossa direção. Ela tinha cerca de 50 anos e sua atitude me lembrou a
de uma severa professora de ensino fundamental, dando uma bronca em seus
alunos.
"Estamos na Ucrânia. Vocês devem falar ucraniano! A
língua russa não pertence a este país", disse ela. O tradutor e ela
bateram boca a seguir, e ele não me disse imediatamente o que discutiram.
"Ela vem do oeste", resumiu ele depois, me
explicando o que ocorrera. Estava claro para mim um dos mais importantes fatos
a respeito do país, a sua famosa divisão, que hoje está na raiz da violência na
ex-república soviética.
- · Raízes históricas
A divisão, com o oeste mais nacionalista, falando ucraniano,
e o leste próximo à fronteira russa, com forte influência dos poderosos
vizinhos, se manteve durante toda a era soviética, tendo origem anterior à
Revolução de Outubro.
Até o início do século 20, boa parte do país pertencia à
Rússia czarista, enquanto que o leste, incluindo o hoje bastião oposicionista
de Lviv, estava ligado ao Império Áustro-Hungaro.
Mas a ligação dos russos com o território ucraniano vem de
muito antes. A Ucrânia foi berço da civilização russa, que lá floresceu no
século 9 até ser obliterada pelo avanço dos mongóis, no século 13. O
renascimento com Ivan, o Terrível (1530-1584), viria com a sede para recuperar
os territórios perdidos para Genghis Khan e seus sucessores.
Isso explica parte do interesse histórico da Rússia pela
Ucrânia. O legado soviético só acrescenta peso a isso.
A Ucrânia foi um dos signatários originais do fim da URSS.
Mas a assinatura, em 8 de dezembro de 1991, do tratado que criaria a Comunidade
de Estados Independentes (CIS) só viria sete dias depois de um referendo na
Ucrânia terminar com apoio de 90% da população à independência, refletindo o
apelo nacionalista em voga na ocasião.
Mas a separação ucraniana nunca foi bem absorvida em Moscou,
onde uma influente elite ucraniana tinha poder de decisão durante os anos
soviéticos e permaneceu em Moscou mesmo após o surgimento do novo país.
- · Pacto de elites
Após a independência, a estabilidade da Ucrânia foi
garantida por um pacto das elites. Com o respaldo russo, como nos tempos
soviéticos, a Ucrânia permaneceu unida.
Em 2004, o presidente russo, Vladimir Putin, imaginou que a
política ucraniana caminharia pelas trilhas tradicionais com o apoio de Moscou.
Viktor Yanukovich – que vem do leste do país - foi eleito presidente em
eleições contestadas e, em pouco tempo, a contestação se transformou em um
turbilhão laranja nas ruas de Kiev.
A Revolução Laranja forçou Putin, pego de surpresa, a
aceitar um novo acordo com as elites nacionalistas do oeste, representadas por
Yulia Timoshenko e Viktor Yushchenko, que então se tornaria presidente. Viriam
anos difíceis nas relações entre os dois países, marcados por disputas no
fornecimento de gás russo ao país.
Yanukovich finalmente chegaria ao poder em 2010, em um
momento de enfraquecimento da oposição nacionalista. De volta à Presidência
russa em 2012, Putin avançou com seu plano para restabelecer boa parte da
esfera de influência soviética.
O lançamento de uma União Aduaneira unindo Belarus, Rússia e
Cazaquistão, em 2010, e da proposta para uma União Econômica Euroasiática com
esses e outros países, surgiram como antagonistas de uma possível ampliação da
União Europeia rumo à Ucrânia, vista por Moscou como candidata natural a
integrar essas organizações.
Finalmente, a frágil estabilidade entre as elites ucranianas
foi destruída quando Yanukovich, enfrentando grave crise econômica, tomou sua
decisão de não buscar uma maior integração com a União Europeia, desencadeando
os protestos que hoje fazem sangrar o país. Em seguida, a Rússia lhe cederia
uma ajuda de US$ 15 bilhões para salvar a economia.
- · Cenários
A atual situação da Ucrânia contempla alguns possíveis
cenários para a resolução do conflito. Nenhum deles mostra uma saída fácil.
Um cenário é o da diplomacia. Primeiramente, a diplomacia
tradicional, de mediadores e longas conversas. Até agora, a estratégia não se
mostrou muito promissora e, em uma atmosfera de ânimos exaltados pelas mortes,
só tende a se mostrar mais limitada.
Em segundo lugar, a diplomacia dura das sanções, pressionando
o governo ucraniano a ceder na marra. A União Européia anunciou sanções nesta
quinta-feira, mas – como bem mostra a experiência iraniana – elas podem não ser
eficientes. Ainda mais com o governo de Yanukovich recebendo um forte respaldo
de Moscou.
Outro cenário é o estabelecimento de uma força-tarefa
envolvendo representantes do governo russo, dos EUA, da União Europeia, da
oposição e da Presidência ucraniana. A negociação visaria o estabelecimento de
um novo pacto das elites ucranianas, sendo que as pró-UE esperariam, de alguma
forma, uma nova promessa de integração com o bloco.
Contudo, dificilmente Moscou aceitaria ceder muito a essas
elites a favor da integração com o bloco europeu. Também é difícil saber que
tipo de proposta seria aceita pela oposição nesta altura dos acontecimentos. A
violência evoluiu a tal ponto que é possível que ela não aceite apenas mais
promessas.
Como parte desse pacto, Yanukovich poderia simplesmente
ceder, voltando atrás em sua decisão de não se aproximar da UE. Mas isso pode
não ser suficiente, já que a oposição provavelmente também exigiria sua saída e
que fosse julgado pela morte de manifestantes.
Uma alternativa semelhante, ainda como parte do pacto, é que
a oposição ceda. Nesse caso, seria essencial que União Europeia flexionasse
seus músculos e a estimulasse a aceitar isso.
Nesse caso, surgem as seguintes questões: a União Europeia
está preparada para abrir mão da Ucrânia? Está preparada para dizer a aqueles
que dizem estar lutando pelos valores europeus que devem desistir desses
valores? Não seria isso uma perigosa contradição, que enviaria um sinal a
Moscou de que pode fazer o que bem entender?
- · Guerra civil e divisão
Talvez o cenário mais apocalíptico seja este: Yanukovich
mantém sua atual posição e tenta eliminar a oposição, enquanto que a oposição
tenta assumir o controle. Trata-se precisamente do que vem ocorrendo, com uma
tendência de escalar para uma guerra civil.
Um conflito generalizado, em todo o país, ainda não está
ocorrendo. Por enquanto, a violência se concentra em Kiev, sem sinais de
escalada no leste, mas com episódios preocupantes em pontos do oeste.
Na cidade de Lutsk, manifestantes armados invadiram o
gabinete do governador local, o arrastaram para fora e o algemaram. Centenas
acompanharam discursos em um palco improvisado, em meio a pedidos de renúncia
do presidente.
Também há informações de que oposicionistas invadiram uma
prisão em Lviv e libertaram todos os detentos – aparentemente sem que a polícia
esboçasse reação. Em outra cidade do oeste, Ivano-Frankivsk, manifestantes
teriam tomado bases da polícia e das forças de segurança e da Promotoria de
Justiça.
Daniel Sanford, repórter da BBC em Kiev, fala que "o
apoio silencioso que muitos na Ucrânia Ocidental, particularmente em Lviv,
estão dando à violência (…) significa que uma separação entre Ucrânia Ocidental
e Ucrânia Oriental está sendo discutida abertamente, apesar de poucas pessoas
afirmarem querer isso".
Se o silêncio está se transformando em ações claras de apoio
aos oposicionistas, de desafio ao poder institucionalizado no oeste – como os
recentes desdobramentos no oeste sugerem – é sinal que a divisão está sendo
levada mais a sério.
Mas é difícil imaginar que uma separação ocorra sem um
confronto maior, envolvendo também o ainda mais silencioso leste próximo à
fronteira russa – e, possivelmente, a própria Rússia.
*Rafael
Gomez é mestre em estudos da Rússia e da Europa Oriental pela Universidade de
Birmingham, Reino Unido
Em 21 de fevereiro, 2014
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